segunda-feira, 9 de setembro de 2013

PARA ONDE VÃO AS ORAÇÕES


A busca pelo conhecimento nunca é demais, pois só sabemos viver razoavelmente quando estamos no domínio das circunstâncias ou, pelo menos, podemos sobreviver a despeito delas. Nossa fragilidade diante de eventos naturais, ou aqueles considerados “sobrenaturais” (que, segundo se pensa, provêm de uma força ou vontade superior), nos põe em desvantagem com os processos complexos da vida, leis que desafiam nosso raciocínio e se configuram verdadeiros “mistérios”. Diante de situações adversas, muitas vezes, somos tomados pelo medo – medo do que poderá ser de nós a partir dali, medo do futuro, do desconhecido, medo do sofrimento e da morte.

            
Qualquer pessoa, diante de problemas aparentemente irremediáveis sob o aspecto do nosso conhecimento, das Ciências, da medicina e outras capacidades humanas, pode entrar em desespero e buscar uma solução por uma via alternativa, porém sem respaldo ou critério lógico. Além disso, há ainda os naturalmente religiosos, que se apegam a santos, orixás, deuses ou Deus, para se verem livres de todo tipo de adversidade, as suas e dos seus entes queridos, também. Aí, entram num processo de “vale-tudo” – mandingas, simpatias, passes, preces e o que mais puderem achar pelo caminho.

           
Dentre essas práticas, talvez a mais corriqueira e aceita seja a oração, que se baseia geralmente na crença de que dizendo palavras de súplica com humildade, fé e devoção, ou simplesmente emitindo pensamentos-pedidos, seres superiores serão sensibilizados a intervirem benevolamente em favor do suplicante ou daquele por quem se pede. Acreditam, os que assim fazem, que de algum lugar virá a resposta-solução, ainda que por uma via totalmente desconhecida, de forma surpreendentemente misteriosa, a que chamam de “milagre”.

           
Ora, considerando que no mundo deve haver um número incalculável de pessoas que se utilizam (ou já se utilizaram) desse recurso, a oração, seja por motivo religioso (ainda que muitas delas não se digam adeptas de qualquer religião), seja por mero desespero, pode-se supor  que desde tempos imemoriais já se orou ou rezou em favor de um sem-número de problemas, sendo também desconhecidas as vezes que é ou foi possível “provar” que tal artifício obteve êxito. Isso porque, para muita gente, a respostas às orações, embora estas, como já foi dito antes, não tenham qualquer base lógica, depende de alguns fatores: o merecimento, a vontade de Deus e a graça, por exemplo.

           
Bem, em minhas pesquisas em busca de elementos para fundamentar e sistematizar a T.H., que se pretende um sistema filosófico prático e viável, com ensinamentos e vivências que viabilizem a sabedoria e a razão como método e o resultado calculável como efeito objetivado, não encontrei qualquer evidência, mesmo levando em conta uma suposta base misticofilosófica (como proposta nas tradições orientais, por exemplo) de que a oração possa efetivamente ser tomada como um recurso sério e recomendável.


Ponho-me em oposição exatamente porque, uma vez considerada a lei cármica (e essa, sim, tenho em grande consideração) – a suprema lei de causa e efeito, fomentadora e mantenedora de toda a estrutura universal, existencial –, que é o próprio modus operandi da Existência, não consegui, nem consigo, perceber qualquer espaço em que a oração, como método ou via para um fim, possa se encaixar nesse sistema autorregulador, chamado Karma, já que qualquer modificação de sua lei seria uma intervenção desastrosa, em seu sentido macro, porque embora fosse (como desejam os mais crentes) um benefício a um ou a alguns indivíduos, promoveria inexoravelmente um desequilíbrio universal (ou seja, nos demais e em todos). Alguns podem argumentar que, sendo Deus o ser absoluto e supremo, a Ele nada é impossível (como é já um chavão dos crédulos religiosos), podendo Ele, e somente Ele, intervir na lei que Ele mesmo estabeleceu na Terra e em todo o Universo. No entanto, tal raciocínio destrói de pronto pelo menos duas “verdades” estabelecidas e aceitas por esses mesmos crentes – a de que “Deus é imutável, pois é o mesmo ontem, hoje e sempre” e a da “justiça divina”. No primeiro caso, Ele estaria se desmandando, o que pressupõe uma mudança de vontade e intenção; no segundo, Ele, como produtor de todas as causas, estaria assim anulando o que Ele próprio causou ao indivíduo em aflição, efeito de sua má conduta como filho ou criatura Sua.

No capítulo intitulado O Avatar e o Reinos dos Siddhis, do meu livro O Governante das Estrelas – Da Materialidade do Eterno, eu pergunto: “O que é, então, um ‘milagre’? Seria mesmo possível a efetivação de um evento de ordem sobrenatural? Há como se provar que as circunstâncias existenciais e as leis naturais possam permitir uma intervenção ‘de fora do mundo’ que produza o inusitado? Para dar respostas a estas perguntas é preciso conhecer as possibilidades que a Existência oferece ao ser humano, seja ele um homem comum ou um Avatar. Precisamos averiguar se há alguma chance de o ser humano ‘burlar’ o que ele próprio categorizou como ‘leis físicas’.”
            
Indo um pouco mais à frente, se algum religioso me confrontar com indagações sobre supostos milagres (por favor, que não sejam relatos bíblicos, pois estes necessitam muito mais de evidências e provas fidedignas do que de sentimentalismo e emotividade baratos), então direi sem pestanejar que, considerando tais fatos como “incomuns” (mas jamais fora da lei), eles nada mais são do que resgates cármicos (débitos e créditos), que se encontram, apesar de inusitados, dentro das condições de possibilidades existenciais. Como exemplo, darei o seguinte: suponhamos que uma pessoa no passado, nesta vida ou noutra, pouco importa, tenha causado o bem a outra, mas agora se encontre vitimada pela má-sorte, diante da qual não encontra forças ou recursos para superar, então, recorre à oração, como última saída para seu mal. Embora dirija sua súplica para Deus ou para entes que ela considera superiores, sua prece poderá, sem distorções causais ou mistério, chegar àquela pessoa (agora já desencarnada), a quem outrora favoreceu com seu bem em hora de desgraça, e esta, por via da própria lei cármica, se sentirá atraída para ela, de tal forma a lançar mão de forças invisíveis para auxiliá-la. Levando em conta que fora favorecida no passado, assim, utilizando-se de suas faculdades sutis, imateriais, terá condições cármicas justas de também promover um bem em troca ou restituição, sem que isso seja uma violação da lei ou um milagre, como se poderia supor.

            Se, ainda assim, algum religioso crédulo em milagres insistir comigo que então a oração foi ouvida e atendida, direi categoricamente que “sim”, porém, não como se supõe, por intermédio e intervenção de um ser, superior ou meramente violador de leis, mas por um ser da Existência (embora desencarnado), que apenas cumpriu a Lei (de causa e efeito).

A crença em milagres e, por conseguinte, na oração, entre os cristão, respalda-se consubstancialmente no que diz a Bíblia sobre os feitos e as pregações de Jesus Cristo. Em Marcos, 11, 21-25, por exemplo, lê-se: “Olha, mestre, como secou a figueira que amaldiçoaste!”. Respondeu-lhes Jesus: Todo o que disser a este monte: Levanta-te e lança-te ao mar, se ele não duvidar em seu coração, mas acreditar que sucederá tudo o que disser, ele obterá esse milagre. Por isso, vos digo: Tudo o que pedirdes na oração, crede que o tendes recebido, e ser-vos-á dado. Mas, quando vos puserdes de pé para orar, perdoai, se tiverdes algum ressentimento contra alguém, para que também vosso Pai , que está nos céus vos perdoe os vossos pecados”. Ora, a mim parece óbvio, mas, como é comum a todo crente, seu entendimento de uma passagem bíblica (ou de outro qualquer livro a que chame de “sagrado”) corresponde aos anseios do seu coração e nunca aos critérios de sua racionalidade. Os cristãos poderiam prestar um pouco mais de atenção às últimas palavras dessa passagem, em vez de às primeiras. Quando o Cristo exorta-os a antes perdoar para que, só então, recebam o beneplácito, ali mesmo está a “consumação da lei de causa e efeito” – ou seja, perdoando quem os ofendeu, abre-se assim um canal que viabiliza um bem que é pretendido, um crédito que adentra o karma particular e concede a bênção. Além disso, sendo Jesus um Avatar, está acima das leis físicas, assim como possui uma quantidade imensa de karma positivo, que ele usa sempre que necessário, não para honra e glória de “seu Pai”, como é dito e entendido ipsis litteris, mas para o cumprimento da Lei Suprema, o Karma. Quem melhor pode nos explicar isso é o Dr. Deepak Chopra, ao sentenciar: “Uma mudança na percepção não exige força. Uma pessoa que atingiu o nível de consciência onde os siddhis são naturais pode realizar mudanças com a facilidade que eu ou você encontramos em nossos sonhos, não empregando mais energia do que a necessária para ter um pensamento. O princípio básico é que a realidade é diferente em diferentes estados de consciência. Se vejo uma árvore num sonho, posso saltar sobre ela, fazê-la mudar de cor ou voar pelos céus com ela na mão. O que me confere mais poderes é o estado onírico. Se eu não tivesse outro estado de consciência com o qual compará-lo, o estado onírico constituiria a única realidade que conheço e aceito como válida”. O Cristo, ou seja, o Avatar está em outro nível de consciência, e isso facilita a sua percepção real das coisas e sua atuação sobre essa “ilusão” (Maya), a qual chamamos de realidade.

Bem, o presente artigo, em hipótese nenhuma, tem a pretensão de esgotar ou encerrar a discussão sobre o tema – a oração –, senão abrir espaço para uma nova concepção de verdade, lançando uma nova luz sobre ele. Antes de terminar, porém, devo dizer que não apenas creio nessa “verdade” e nessa “luz”, mas também as realizo, as enxergo no meu dia-a-dia, na lei que me dá vida e a perpetua de encarnação em encarnação, e não temo acrescentar que, um dia, os praticantes desse recurso da fé encontrarão todas as suas orações numa espécie de “lixão do Universo” e verão, sobrevoando sobre ele, centenas de “pássaros brancos” (seres alados agourentos), os quais quase não reconhecerão, por se parecerem apenas um pouco mais suportáveis do que os conhecidos urubus da Terra e um pouco menos belos do que os supostos anjos do céu.