CONTRIBUIÇÕES DO PENSAMENTO
KRISHNAMURTIANO À TERAPIA HARI
No
artigo anterior, falamos do acúmulo do passado na mente e na vida das pessoas e
principalmente da questão do medo que não as deixa viver plenamente. Neste,
daremos continuidade a essa temática e avançaremos mais no pensamento de
Krishnamurti.
A
frase “Uma vida que não é revisitada não merece ser vivida!”, creditada a um
dos grandes filósofos gregos, Sócrates, é bastante conhecida nos meios
acadêmicos, entre estudantes e professores de Filosofia. Da mesma forma,
aquelas perguntas básicas, como por exemplo “De onde viemos?”, “Para onde
vamos?”, “Qual o significado da vida?”, “Existe Deus?”. Pois bem, Krishnamurti
nos diz que tais perguntas são “inanes”, ou seja, não fazem nenhum sentido ou
não têm nenhuma importância. Segundo ele, o que importa mesmo é termos uma
mente atenta e séria: “Sem dúvida, a mente medrosa, confusa, que se satisfaz
com uma mera explicação, é completamente incapaz de exame. Para fazer uma
pergunta correta, a pessoa deve estar plenamente amadurecida – não em anos,
porém interiormente. Maturidade implica compreensão total da existência,
percepção total: escutar, ver compreender o amor, a verdadeira essência de um
viver total. Só uma mente amadurecida pode fazer a pergunta correta, e esta
pergunta correta não requer uma resposta de fora, porém a resposta estará
contida nela própria”.
Unicamente
lendo as palavras de Krishnamurti, dificilmente se entenderá do que ele
realmente trata, pois o pensador indiano não emprega, por exemplo, as palavras escutar, ver, viver e compreender, com o mesmo
significado ou intenção que geralmente lhes são dados. Ele não diz “ver” ou “escutar”,
referindo-se meramente aos sentidos comuns, Krishnamurti fala como se esperasse
que os que o ouvem já fossem capazes de ir um pouco além dos meros sentidos. “O
ato de escutar – tal como o de ver, é, com efeito, uma das coisas mais difíceis
que há. O ver uma coisa muito claramente exige-nos toda a atenção”. Outra
coisa: é importante perceber que até a palavra “amor” não tem aquele aspecto romântico
ou espiritualista (como soa, quando ouvimos do Cristo, por exemplo, ou de
pregadores de templos e igrejas). Tão é assim que ele relaciona “amor” com uma
outra palavra com a qual não é comum (e até parece um tanto estranho) se
associar. Ele diz que “interesse é amor”, querendo dizer provavelmente que
quando “amamos” verdadeiramente damos toda atenção à coisa ou à pessoa amada,
dedicamos todo o nosso “interesse” a ela, estamos plenamente “interessados” só
por ela – com total “dedicação”. E ele
completa: “Só quando há grande afeição e amor pode-se ver o movimento total da
vida”.
Lembremos
que Krishnamurti, em suas palestras, pretende deslocar o pensamento de sua
audiência para fora do condicionamento causado pelo tempo e seus mecanismos,
como a memória, a repetição e a velha significação dada às palavras,
principalmente aquelas palavras que imediatamente após serem lidas ou
pronunciadas causam uma reação na mente – como se “a palavra” fosse “a coisa”. Quando
da sistematização da T.H., também foi necessário “dessignificar” e “reconceituar”
certas palavras demasidamente desgastadas pelo uso religioso e sentimentalista,
tais como “atman”, “Avatar”, “Eternidade” e “Ser Supremo”. E a temática
levantada neste capítulo da série, é bastante pertinente, para que se tenha a
noção da proximidade da proposta do pensador indiano com os propósitos da T.H. Sigamos
com as palavras do próprio orador: “Sei que uma das coisas atualmente em voga,
na religião, é “a busca da verdade ou Deus”. Tendes de lançar ao mar essa
palavra sem significação. O que tem significação é descobrir se o cérebro pode
tornar-se altamente sensível, quieto e livre”, diz ele. Ora, a “sensibilidade”
da qual o orador fala de forma nenhuma pode ser aquela com a qual estamos
acostumados a tratar – a sensibilidade ao toque, à dor, ao carinho,
absolutamente. A sensibilidade à qual ele se refere é uma tal que deixa todo o nosso
ser em atenção, ciente de tudo o que vemos, como se tudo fosse maravilhosamente
novo, ou seja, não lhe dando nenhuma já usada significação ou interpretação –
apenas dedicando-lhe total “interesse”.
Krishnamurti
nos exorta à busca da verdade que não está nos livros sagrados, nem nos
templos, nem nas igrejas, e nem mesmo poderia ser monopólio de uma religião ou
de um autoridade qualquer, fosse essa autoridade um guru, um Avatar, o papa,
Cristo ou Buda. Essa “verdade” só pode ser encontrada “em nós” e de forma
nenhuma “lá fora”. Para tanto, ele nos tenta mostra o poder desastroso que o
tempo exerceu sobre nós, sobre nossa mente. É por isso que ele diz: “Dez mil
anos de propaganda formaram essa consciência. As religiões, os guias, políticos
ou religiosos, os livros, a propaganda, as crenças, as doutrinas, os
salvadores, perderam toda a significação”. O orador quer que percebamos como a
propaganda, enquanto instrumento do tempo, exerceu sobre nós uma tremenda força
dominadora que não nos deixa pensar “o novo” – somente o velho, ou que está
estagnado e morto para “a vida”. Então, ele completa: “E tudo isso é o
resultado da propaganda, propaganda do Gita, da Bíblia, do Alcorão ou das
teorias de Marx e de Lenine. Entendeis? Eis o que somos, sem nada de original,
nada de verdadeiro: entes humanos de segunda
mão”.
Causar uma total “desilusão” sobre todos os
sistemas, políticos ou religiosos, seguidos até aqui, como se fossem fórmulas
ou modelos para uma vida plena, livre dos conflitos, das guerras, é o que Krishnamurti
pretende nessas suas palestras. Evidentemente, que o público, e também nós,
ficamos sem qualquer chão, se temos que erradicar de dentro de nós todas as
nossas crenças, todas as nossas significações; se temos de remexer velhas idéias
e, despidos delas, encontrar sozinho
a verdade que tanto buscamos. Por isso mesmo ele admite que não é uma tarefa
fácil tomar para si total responsabilidade pela busca, sem contar com qualquer
velha autoridade, representada pelo que quer que seja, homem, doutrina, regime
ou livro sagrado. “O mundo se acha em guerra; e acredita-se que, pelo poder de
uma certa prece, uns poucos indivíduos, reunidos e pronunciando determinadas
palavras, serão capazes de resolver esta imensa questão que há mais de 5 mil
anos permanece sem solução. E continuam a repetir-se tais palavras, embora se
saiba que jamais se porá fim à guerra
dessa maneira”, falando assim o pensador nos põe cara a cara com nossas crenças
banais e imputa toda a culpa do caos a nós, que deixamos tudo seguir sempre
assim, sem qualquer objeção. “Se investigardes bem profundamente, verificareis
que o homem é indolente. O caos se originou da preguiça, da indiferença, da
inércia do homem, do seu espírito de aceitação. Essa aceitação gera uma
tremenda indolência. Não ousais questionar vossa religião, vossa comunidade,
vossa crença, a estrutura social, o nacionalismo, a guerra; aceitais tudo”. E
conclui: “Dessa maneira vivemos a séculos e séculos, sempre a contar que outro
resolva os nossos problemas. Seguir outra pessoa é a essência da indolência”.
O
pensador indiano não economiza esforços para nos fazer abdicar dessa nossa agradável
“zona de conforto”, que só males nos tem causado, embora, indolentemente,
acreditemos que seja a causa de nossa sobrevivência sobra a Terra. Acreditamos
que seguindo Krishna, Rama, Shankaracharya, Buda ou Cristo, estamos seguindo o
caminho da “verdadeira religião”; acreditamos que seguindo o que disse Marx,
Lenine, Churchill, Gandhi, ou outro qualquer, estamos corretamente engajados na
mais perfeita política social, favorecedora dos anseios populares e supridora
das necessidades dos homens. “Não julgueis que qualquer dos políticos ou dos
guias religiosos, por todo o mundo, esteja vendo o problema como um todo. Há
fome, há guerra; a religião falhou totalmente e nada mais significa, exceto
para umas poucas pessoas. A crença organizada está perdendo sua força, a
despeito da espetaculosa propaganda que se faz, nos jornais e em toda parte, em
nome de Deus, em nome da paz. Vemos, assim, que nem a educação, nem a religião,
nem a política resolveu o problema, e tampouco a ciência o resolveu”.
Se,
como diz o pensador, todas as crenças e todos os regimes políticos falharam em
resolver o nosso grande problema existencial, que é o conflito, tanto interior
quanto exterior, e nem mesmo a educação ou a ciência foram capazes disso, nem
promovem qualquer mudança verdadeira, para melhor, isso não quer dizer que
devamos viver à deriva, desamparados de toda instrução e descrentes de toda a
ciência, mas tão-somente promover uma total mudança em nossa maneira de viver,
o que refletirá em todas as atividades humanas, portanto, na nossa maneira de
educar e de fazer ciência. Quanto à religião e à política, o caso é mais
complexo, uma vez que a primeira se perpetua pelo poder da autoridade
sacerdotal, ou da tradição dos ritos, ou ainda da palavra morta dos livros
sagrados; e a segunda, promove uma noção de poder dominador sobre aquele que recebe
legitimamente ou pela força a tarefa de legislar sobre o povo e manter a ordem
(geralmente conforme lhe seja favorável, e não necessariamente conforme os
anseios dos súditos ou subordinados).
O
fato é que, sem contradito, pode-se perceber claramente que a humanidade tem
caminhado com pouco êxito para a paz e a felicidade desejadas. Nosso próprio
modo de viver promove a guerra, que, segundo Krishnamurti, é a expressão final
do conflito que há dentro em nós. Voltando, então, ao que foi dito por
Sócrates, na Antiga Grécia, toda a nossa vida precisa ser revista, no sentido
de encontrarmos um novo caminho, que não seja pautado na acumulação do
conhecimento, que até aqui só nos fez reforçar “a imitação”, “a cópia” do erro,
“a repetição” de fórmulas vazias e ineficazes. E é com as próprias palavras do orador indiano
que encerramos este segundo artigo da série:
“Temos
de compreender este enorme problema, ou seja, que está em jogo o destino do
homem, a sorte do ente humano e não de algum indivíduo em particular.”
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