A busca pelo conhecimento nunca é
demais, pois só sabemos viver razoavelmente quando estamos no domínio das
circunstâncias ou, pelo menos, podemos sobreviver a despeito delas. Nossa
fragilidade diante de eventos naturais, ou aqueles considerados “sobrenaturais”
(que, segundo se pensa, provêm de uma força ou vontade superior), nos põe em
desvantagem com os processos complexos da vida, leis que desafiam nosso
raciocínio e se configuram verdadeiros “mistérios”. Diante de situações adversas,
muitas vezes, somos tomados pelo medo – medo do que poderá ser de nós a partir
dali, medo do futuro, do desconhecido, medo do sofrimento e da morte.
Qualquer
pessoa, diante de problemas aparentemente irremediáveis sob o aspecto do nosso
conhecimento, das Ciências, da medicina e outras capacidades humanas, pode
entrar em desespero e buscar uma solução por uma via alternativa, porém sem
respaldo ou critério lógico. Além disso, há ainda os naturalmente religiosos,
que se apegam a santos, orixás, deuses ou Deus, para se verem livres de todo
tipo de adversidade, as suas e dos seus entes queridos, também. Aí, entram num
processo de “vale-tudo” – mandingas, simpatias, passes, preces e o que mais
puderem achar pelo caminho.
Ora,
considerando que no mundo deve haver um número incalculável de pessoas que se
utilizam (ou já se utilizaram) desse recurso, a oração, seja por motivo
religioso (ainda que muitas delas não se digam adeptas de qualquer religião),
seja por mero desespero, pode-se supor
que desde tempos imemoriais já se orou ou rezou em favor de um
sem-número de problemas, sendo também desconhecidas as vezes que é ou foi
possível “provar” que tal artifício obteve êxito. Isso porque, para muita
gente, a respostas às orações, embora estas, como já foi dito antes, não tenham
qualquer base lógica, depende de alguns fatores: o merecimento, a vontade de
Deus e a graça, por exemplo.
Ponho-me
em oposição exatamente porque, uma vez considerada a lei cármica (e essa, sim,
tenho em grande consideração) – a suprema lei de causa e efeito, fomentadora e mantenedora
de toda a estrutura universal, existencial –, que é o próprio modus operandi da Existência, não
consegui, nem consigo, perceber qualquer espaço em que a oração, como método ou
via para um fim, possa se encaixar nesse sistema autorregulador, chamado Karma,
já que qualquer modificação de sua lei seria uma intervenção desastrosa, em seu
sentido macro, porque embora fosse (como desejam os mais crentes) um benefício a
um ou a alguns indivíduos, promoveria inexoravelmente um desequilíbrio
universal (ou seja, nos demais e em todos). Alguns podem argumentar que, sendo Deus o ser absoluto e supremo, a Ele nada é impossível (como é já um
chavão dos crédulos religiosos), podendo Ele,
e somente Ele, intervir na lei que Ele mesmo estabeleceu na Terra e em todo
o Universo. No entanto, tal raciocínio destrói de pronto pelo menos duas “verdades”
estabelecidas e aceitas por esses mesmos crentes – a de que “Deus é imutável,
pois é o mesmo ontem, hoje e sempre” e a da “justiça divina”. No primeiro caso,
Ele estaria se desmandando, o que pressupõe uma mudança de vontade e intenção;
no segundo, Ele, como produtor de todas as causas, estaria assim anulando o que
Ele próprio causou ao indivíduo em aflição, efeito de sua má conduta como filho
ou criatura Sua.
No
capítulo intitulado O Avatar e o Reinos
dos Siddhis, do meu livro O Governante
das Estrelas – Da Materialidade do Eterno, eu pergunto: “O que é, então, um
‘milagre’? Seria mesmo possível a efetivação de um evento de ordem sobrenatural?
Há como se provar que as circunstâncias existenciais e as leis naturais possam
permitir uma intervenção ‘de fora do mundo’ que produza o inusitado? Para dar
respostas a estas perguntas é preciso conhecer as possibilidades que a
Existência oferece ao ser humano, seja ele um homem comum ou um Avatar. Precisamos averiguar se há
alguma chance de o ser humano ‘burlar’ o que ele próprio categorizou como ‘leis
físicas’.”
Indo
um pouco mais à frente, se algum religioso me confrontar com indagações sobre supostos
milagres (por favor, que não sejam relatos bíblicos, pois estes necessitam
muito mais de evidências e provas fidedignas do que de sentimentalismo e
emotividade baratos), então direi sem pestanejar que, considerando tais fatos
como “incomuns” (mas jamais fora da lei), eles nada mais são do que resgates
cármicos (débitos e créditos), que se encontram, apesar de inusitados, dentro
das condições de possibilidades existenciais. Como exemplo, darei o seguinte:
suponhamos que uma pessoa no passado, nesta vida ou noutra, pouco importa, tenha
causado o bem a outra, mas agora se encontre vitimada pela má-sorte, diante da
qual não encontra forças ou recursos para superar, então, recorre à oração,
como última saída para seu mal. Embora dirija sua súplica para Deus ou para
entes que ela considera superiores, sua prece poderá, sem distorções causais ou
mistério, chegar àquela pessoa (agora já desencarnada), a quem outrora
favoreceu com seu bem em hora de desgraça, e esta, por via da própria lei
cármica, se sentirá atraída para ela, de tal forma a lançar mão de forças
invisíveis para auxiliá-la. Levando em conta que fora favorecida no passado,
assim, utilizando-se de suas faculdades sutis, imateriais, terá condições
cármicas justas de também promover um bem em troca ou restituição, sem que isso
seja uma violação da lei ou um milagre, como se poderia supor.
Se,
ainda assim, algum religioso crédulo em milagres insistir comigo que então a
oração foi ouvida e atendida, direi categoricamente que
“sim”, porém, não como se supõe, por intermédio e intervenção de um ser,
superior ou meramente violador de leis, mas por um ser da Existência (embora
desencarnado), que apenas cumpriu a Lei (de causa e efeito).
A
crença em milagres e, por conseguinte, na oração, entre os cristão, respalda-se
consubstancialmente no que diz a Bíblia sobre os feitos e as pregações de Jesus
Cristo. Em Marcos, 11, 21-25, por exemplo, lê-se: “Olha, mestre, como secou a
figueira que amaldiçoaste!”. Respondeu-lhes Jesus: Todo o que disser a este
monte: Levanta-te e lança-te ao mar, se ele não duvidar em seu coração, mas
acreditar que sucederá tudo o que disser, ele obterá esse milagre. Por isso,
vos digo: Tudo o que pedirdes na oração, crede que o tendes recebido, e
ser-vos-á dado. Mas, quando vos puserdes de pé para orar, perdoai, se tiverdes
algum ressentimento contra alguém, para que também vosso Pai , que está nos céus
vos perdoe os vossos pecados”. Ora, a mim parece óbvio, mas, como é comum a
todo crente, seu entendimento de uma passagem bíblica (ou de outro qualquer
livro a que chame de “sagrado”) corresponde aos anseios do seu coração e nunca
aos critérios de sua racionalidade. Os cristãos poderiam prestar um pouco mais
de atenção às últimas palavras dessa passagem, em vez de às primeiras. Quando o
Cristo exorta-os a antes perdoar para que, só então, recebam o beneplácito, ali
mesmo está a “consumação da lei de causa e efeito” – ou seja, perdoando quem os
ofendeu, abre-se assim um canal que viabiliza um bem que é pretendido, um crédito
que adentra o karma particular e concede a bênção. Além disso, sendo Jesus um Avatar, está acima das leis físicas,
assim como possui uma quantidade imensa de karma positivo, que ele usa sempre
que necessário, não para honra e glória de “seu Pai”, como é dito e entendido ipsis litteris, mas para o cumprimento
da Lei Suprema, o Karma. Quem melhor pode nos explicar isso é o Dr. Deepak
Chopra, ao sentenciar: “Uma mudança na percepção não exige força. Uma pessoa
que atingiu o nível de consciência onde os siddhis são naturais pode realizar
mudanças com a facilidade que eu ou você encontramos em nossos sonhos, não
empregando mais energia do que a necessária para ter um pensamento. O princípio
básico é que a realidade é diferente em diferentes estados de consciência. Se
vejo uma árvore num sonho, posso saltar sobre ela, fazê-la mudar de cor ou voar
pelos céus com ela na mão. O que me confere mais poderes é o estado onírico. Se
eu não tivesse outro estado de consciência com o qual compará-lo, o estado
onírico constituiria a única realidade que conheço e aceito como válida”. O
Cristo, ou seja, o Avatar está em
outro nível de consciência, e isso facilita a sua percepção real das coisas e
sua atuação sobre essa “ilusão” (Maya),
a qual chamamos de realidade.
Bem,
o presente artigo, em hipótese nenhuma, tem a pretensão de esgotar ou encerrar
a discussão sobre o tema – a oração –, senão abrir espaço para uma nova concepção
de verdade, lançando uma nova luz sobre ele. Antes de terminar, porém, devo
dizer que não apenas creio nessa “verdade” e nessa “luz”, mas também as
realizo, as enxergo no meu dia-a-dia, na lei que me dá vida e a perpetua de
encarnação em encarnação, e não temo acrescentar que, um dia, os praticantes
desse recurso da fé encontrarão todas as suas orações numa espécie de “lixão do
Universo” e verão, sobrevoando sobre ele, centenas de “pássaros brancos” (seres
alados agourentos), os quais quase não reconhecerão, por se parecerem apenas um
pouco mais suportáveis do que os conhecidos urubus da Terra e um pouco menos
belos do que os supostos anjos do céu.
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