“Nasci na mais obscura ignorância, e meu
mestre espiritual abriu meus olhos com o archote do conhecimento. Ofereço-lhe
minhas respeitosas reverências.”
Srila Prabhupada ki jay!
Nos anos de
1980, eu estava na faixa etária dos vinte anos e era uma fervoroso buscador da
Verdade e de explicações sobre a vida, que o cristianismo, a religião em que
nasci, ao meu ver, havia falhado em responder. Naquela
época, empreendi estudos nas principais religiões do mundo, assim como em doutrinas
e ordens místico-esotéricas, como o ocultismo, o rosacrucianismo e o
espiritismo. Era um estudo sério, porém desordenado, pois não havia nenhum
critério, a não ser o fato de que adquiria tudo o que via pela frente, em
termos de livros ou revistas sobre aqueles assuntos, que meus parcos recursos
financeiros podiam comprar, fazendo anotações, aqui e ali, de tudo o que fosse
novo e interessante. No entanto, minha busca parecia mais com o revirar de uma
montanha de papéis jogados no lixo, tentando achar algo que nem mesmo eu sabia
se estava lá. Foi por essa ocasião que caiu em minhas mãos o livreto “Perguntas
Perfeitas, Respostas Perfeitas” – diálogos entre Srila Prabhupada, fundador do
Movimento Hare Krishna, e Bob Cohen, um voluntário da paz na Índia.
Isso se deu
quando encontrei pela primeira vez os monges Hare Krishna nas ruas de minha
cidade natal. Eles eram pessoas incomuns, com vestimentas estranhas para os
padrões do Ocidente (imaginem então para uma cidadezinha, provinciana, do
nordeste brasileiro), mas eu já tinha visto fotos de pessoas da Índia com
aquelas vestimentas e aquele estilo de cabelo. Eram, em sua maioria, jovens de
minha faixa de idade, usando cabeças raspadas com apenas um tufo de cabelos,
como se fosse um rabo-de-cavalo, como fazem as mulheres. Adquiri o livreto e
umas varetas cheirosas, chamadas “incensos”.
Assim que
pude, sentei-me, em algum lugar e comecei a folhear o pequeno livro. Comecei
pela Introdução, escrita por Bob
Cohen, datada de agosto de 1974 (mas os primeiros diálogos datam de 1972), uma
década antes. Ali ele próprio explicava como fora sua experiência de encontrar
o mestre hindu e seus seguidores na Índia. Também, logo de início, apresentava
o Mantra Hare Kishna (uma sequência de palavras desconhecidas, escritas como se
fosse um poema, que deveria ser recitada ou cantada várias vezes ao dia), como
algo que o fazia sentir-se bem e, segundo Prabhupada, era uma via para o êxtase
místico, uma espécie de “união com a Divindade Suprema”. Em seguida, vinha uma
série de diálogos, que serviam muito bem para apresentar e explicar a filosofia
e os fundamentos daquele Movimento. A primeira pergunta era “Que é um
cientista?”. E a resposta dada pelo mestre hindu foi “Aquele que conhece as
coisas tais como elas são”. Bem, o certo é que me senti levado a devorar aquele
livreto sem pausa alguma, pois o debate que surgia a cada nova temática era
cativante e atiçava em mim uma curiosidade, cada vez mais crescente, em saber
onde tudo aquilo ia dar. O resultado, para Bob Cohen, foi tornar-se discípulo
de Srila Prabhupada e, para mim, passar a frequentar o templo Hare Krishna
todos os domingos, da tarde até à noite, para, em breve, tornar-me, eu mesmo,
um devoto externo (Bhakta).
Eu não conheci
pessoalmente aquele que reconheço
como meu mestre espiritual (embora não tenha ele me iniciado). Srila Prabhupada
desapareceu (como se diz na linguagem
dos Hare Krishna) deste mundo no dia 14 de novembro de 1977, uns cinco anos
antes de eu ter contato com sua obra espiritual. Mesmo assim, foi ele que, de
certa forma, com sua obra, me manteve por quase uma década dentro do Movimento.
De frequentador do templo, passei a devoto, tornei-me vegetariano, vendi
livretos e incensos nas ruas e nos ônibus de pelo menos três capitais do
Brasil. Depois tomei meu próprio rumo, enriquecido com aquelas experiências e
com as amizades que fiz, dentro e fora do Movimento Hare Krishna. Eu tinha uma
busca maior e não poderia ficar estacionado naquele estágio de conhecimento. Ainda
havia muito o que aprender com filósofos, cientistas e livres pensadores de
todas as tendências, não somente a religiosa ou espiritual. Tinha de seguir, agora
com uma bagagem mais carregada, e dar
continuidade à busca pela “minha Verdade”.
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Meu Bhagavad-Gita |
A obra de
Srila Prabhupada, juntamente com as informações colhidas entre os outros
devotos, formaram um quadro vivo daquele homem em minha mente, de tal forma que
eu posso até dizer que sentia sua presença ao meu lado e, de certa forma, até
recorria a ele nos meus momentos de aflição, hesitação e dúvida. Seu exemplo me
acalentava e me fazia prosseguir, a despeito das dificuldades pelas quais
passei (entre as quais, resistência da minha família católica, distanciamento
dos velhos amigos e afastamento deles, tendo que passar algum tempo morando no
templo ou fora da minha cidade natal). Ter sido um Hare Krishna foi, sem
dúvida, uma experiência ímpar e produtiva em minha vida. Trago comigo, até
hoje, os resultados gratificantes dela, e ofereço minhas humildes reverências,
em agradecimento, ao meu mestre
espiritual.
Abhoy
Charanaravinda (nome de batismo de Prabhupada) era um homem
espirituoso, de muito bom humor e alto astral sempre, a despeito da sua idade
avançada e dos dissabores físicos que ela engendrava. Partiu no dia 13 de
agosto de 1965 (uma sexta-feira) de Calcutá, Índia, para Nova Iorque, nos
Estados Unidos da América, abordo do navio Jaladuta,
aos 69 anos de idade, com uma passagem gratuita com direito a alimentação e
poucas rúpias (moeda indiana) no bolso, numa viagem que duraria até 17 de
setembro daquele ano, durante a qual sofreu dois ataques cardíacos e uma série
de outros incômodos em sua saúde, mas resistiu e fundou, em território
americano o seu Ashram.
Tendo vivido
como um Hare Krishna, lendo e ouvindo coisas sobre Prabhupada, fora inevitável
não ter nele uma fonte de inspiração para algo que já tinha sua semente dentro
em mim, mas que ainda não tinha “um nome”, muito menos “um objetivo” claro. A Terapia Hari, como passei a chamar uma
certa prática diária de Filosofia, Psicologia e Orientalismo, brotou de dentro
de mim na virada do milênio, pouco depois de eu ingressar na faculdade de
Filosofia. Senti a necessidade de sistematizar tudo o que havia aprendido, em
leituras ou vivencialmente, todas as experiências e anotações, minhas incursões
pela Ordem Rosacruz (anos ’90) e pelo Movimento Hare Krishna (anos ’80).
Em Srila Prabhupada lilamrta, Vol. 2 (Plantando a semente) li e guardei para mim esta
frase do mestre: “Onde quer que estivesse, eu pensava: ‘Este é meu lar’”. Passei
a reforçar a ideia em mim de que assim deveria pensar todo homem – como um ser
cosmopolita, um espécie de homo
universalis. Sobre “Deus” (Krishna, para ele), em Perguntas Perfeitas, Respostas Perfeita, respondendo a uma indagação de Bob Cohen,
sobre Deus ser “todo-poderoso”, disse: “Ele tem que ser muito belo, muito
sábio, muito poderoso, muito famoso... Ele foi o maior dos patifes também”.
Percebi, imediatamente ali, que se tratava de alguém que transmitia
conhecimento, autoridade e despertava respeito, pois tinha uma espécie de
“intimidade com Deus”, uma falta de respeito (ainda que envolta em plena
adoração) para com Krishna, muito parecida com uma relação entre amigos, na
qual é comum que um se refira ao outro com palavras depreciativas e de baixo
calão, porque podem se tratar assim, porque sentem uma proximidade que os
absolve de qualquer calúnia, de qualquer culpa ou má intenção. Prabhupada me
mostrou exatamente o contrário do que o cristianismo insiste em pregar: ele me
mostrou que não havia necessidade de temer a Deus, e que nossa principal missão
na vida era conhecê-Lo, para falar às pessoas do mundo sobre Ele com
autoridade, simplicidade e desenvoltura. O mestre
dizia: “Particularmente, eu posso ser o maior tolo, mas como estou falando de
Krishna, dizendo exatamente o que Ele, o maior cientista, o conhecedor de todas
as coisas, disse, então, eu sou o maior cientista!”.
A Terapia Hari
pretende fazer com que as pessoas primeiramente se conheçam a si mesmas, que se
sintam cidadãs deste lar (o planeta Terra, em particular, e o Universo, como um
todo), e, em seguida, descubram se é ou não necessário sair em busca “do
outro”, seja ele um cientista, um filósofo, um profeta, um mestre ou um deus.
Essa descoberta, na linguagem dos
filósofos Aufklärung, na dos
cientistas Insight, na dos místicos Iluminação, provavelmente não será o
fim de uma existência, nem mesmo o fim de uma busca, pois creio com todo o meu
fervor que, a partir daí, haverá tanto desejo em realizar, que todos quanto
chegarem a ela perceberão que somente naquele instante começa o tempo que não
precisa mais de tempo – a Eternidade.
REFERÊNCIAS: (Obras citadas)
- Perguntas Perfeitas, Respostas
Perfeitas – Diálogos entre Srila Prabhupada e Bob Cohen, um voluntário da paz
na Índia (The Bhaktivedanta Book Trust);
- Srila Prabhupada-lilamrta, Vol. 2
- Plantando a semente (The Bhaktivedanta Book Trust);
- O Bhagavad-Gita Como Ele é (The
Bhaktivedanta Book Trust).