segunda-feira, 11 de março de 2013

SRILA PRABHUPADA E A TERAPIA HARI


“Nasci na mais obscura ignorância, e meu mestre espiritual abriu meus olhos com o archote do conhecimento. Ofereço-lhe minhas respeitosas reverências.”
Srila Prabhupada ki jay!


Nos anos de 1980, eu estava na faixa etária dos vinte anos e era uma fervoroso buscador da Verdade e de explicações sobre a vida, que o cristianismo, a religião em que nasci, ao meu ver, havia falhado em responder. Naquela época, empreendi estudos nas principais religiões do mundo, assim como em doutrinas e ordens místico-esotéricas, como o ocultismo, o rosacrucianismo e o espiritismo. Era um estudo sério, porém desordenado, pois não havia nenhum critério, a não ser o fato de que adquiria tudo o que via pela frente, em termos de livros ou revistas sobre aqueles assuntos, que meus parcos recursos financeiros podiam comprar, fazendo anotações, aqui e ali, de tudo o que fosse novo e interessante. No entanto, minha busca parecia mais com o revirar de uma montanha de papéis jogados no lixo, tentando achar algo que nem mesmo eu sabia se estava lá. Foi por essa ocasião que caiu em minhas mãos o livreto “Perguntas Perfeitas, Respostas Perfeitas” – diálogos entre Srila Prabhupada, fundador do Movimento Hare Krishna, e Bob Cohen, um voluntário da paz na Índia.
Isso se deu quando encontrei pela primeira vez os monges Hare Krishna nas ruas de minha cidade natal. Eles eram pessoas incomuns, com vestimentas estranhas para os padrões do Ocidente (imaginem então para uma cidadezinha, provinciana, do nordeste brasileiro), mas eu já tinha visto fotos de pessoas da Índia com aquelas vestimentas e aquele estilo de cabelo. Eram, em sua maioria, jovens de minha faixa de idade, usando cabeças raspadas com apenas um tufo de cabelos, como se fosse um rabo-de-cavalo, como fazem as mulheres. Adquiri o livreto e umas varetas cheirosas, chamadas “incensos”.
Assim que pude, sentei-me, em algum lugar e comecei a folhear o pequeno livro. Comecei pela Introdução, escrita por Bob Cohen, datada de agosto de 1974 (mas os primeiros diálogos datam de 1972), uma década antes. Ali ele próprio explicava como fora sua experiência de encontrar o mestre hindu e seus seguidores na Índia. Também, logo de início, apresentava o Mantra Hare Kishna (uma sequência de palavras desconhecidas, escritas como se fosse um poema, que deveria ser recitada ou cantada várias vezes ao dia), como algo que o fazia sentir-se bem e, segundo Prabhupada, era uma via para o êxtase místico, uma espécie de “união com a Divindade Suprema”. Em seguida, vinha uma série de diálogos, que serviam muito bem para apresentar e explicar a filosofia e os fundamentos daquele Movimento. A primeira pergunta era “Que é um cientista?”. E a resposta dada pelo mestre hindu foi “Aquele que conhece as coisas tais como elas são”. Bem, o certo é que me senti levado a devorar aquele livreto sem pausa alguma, pois o debate que surgia a cada nova temática era cativante e atiçava em mim uma curiosidade, cada vez mais crescente, em saber onde tudo aquilo ia dar. O resultado, para Bob Cohen, foi tornar-se discípulo de Srila Prabhupada e, para mim, passar a frequentar o templo Hare Krishna todos os domingos, da tarde até à noite, para, em breve, tornar-me, eu mesmo, um devoto externo (Bhakta).
Eu não conheci pessoalmente aquele que reconheço como meu mestre espiritual (embora não tenha ele me iniciado). Srila Prabhupada desapareceu (como se diz na linguagem dos Hare Krishna) deste mundo no dia 14 de novembro de 1977, uns cinco anos antes de eu ter contato com sua obra espiritual. Mesmo assim, foi ele que, de certa forma, com sua obra, me manteve por quase uma década dentro do Movimento. De frequentador do templo, passei a devoto, tornei-me vegetariano, vendi livretos e incensos nas ruas e nos ônibus de pelo menos três capitais do Brasil. Depois tomei meu próprio rumo, enriquecido com aquelas experiências e com as amizades que fiz, dentro e fora do Movimento Hare Krishna. Eu tinha uma busca maior e não poderia ficar estacionado naquele estágio de conhecimento. Ainda havia muito o que aprender com filósofos, cientistas e livres pensadores de todas as tendências, não somente a religiosa ou espiritual. Tinha de seguir, agora com uma bagagem mais carregada, e dar continuidade à busca pela “minha Verdade”.
Meu Bhagavad-Gita
A obra de Srila Prabhupada, juntamente com as informações colhidas entre os outros devotos, formaram um quadro vivo daquele homem em minha mente, de tal forma que eu posso até dizer que sentia sua presença ao meu lado e, de certa forma, até recorria a ele nos meus momentos de aflição, hesitação e dúvida. Seu exemplo me acalentava e me fazia prosseguir, a despeito das dificuldades pelas quais passei (entre as quais, resistência da minha família católica, distanciamento dos velhos amigos e afastamento deles, tendo que passar algum tempo morando no templo ou fora da minha cidade natal). Ter sido um Hare Krishna foi, sem dúvida, uma experiência ímpar e produtiva em minha vida. Trago comigo, até hoje, os resultados gratificantes dela, e ofereço minhas humildes reverências, em agradecimento, ao meu mestre espiritual.
Abhoy Charanaravinda (nome de batismo de Prabhupada) era um homem espirituoso, de muito bom humor e alto astral sempre, a despeito da sua idade avançada e dos dissabores físicos que ela engendrava. Partiu no dia 13 de agosto de 1965 (uma sexta-feira) de Calcutá, Índia, para Nova Iorque, nos Estados Unidos da América, abordo do navio Jaladuta, aos 69 anos de idade, com uma passagem gratuita com direito a alimentação e poucas rúpias (moeda indiana) no bolso, numa viagem que duraria até 17 de setembro daquele ano, durante a qual sofreu dois ataques cardíacos e uma série de outros incômodos em sua saúde, mas resistiu e fundou, em território americano o seu Ashram.
Tendo vivido como um Hare Krishna, lendo e ouvindo coisas sobre Prabhupada, fora inevitável não ter nele uma fonte de inspiração para algo que já tinha sua semente dentro em mim, mas que ainda não tinha “um nome”, muito menos “um objetivo” claro. A Terapia Hari, como passei a chamar uma certa prática diária de Filosofia, Psicologia e Orientalismo, brotou de dentro de mim na virada do milênio, pouco depois de eu ingressar na faculdade de Filosofia. Senti a necessidade de sistematizar tudo o que havia aprendido, em leituras ou vivencialmente, todas as experiências e anotações, minhas incursões pela Ordem Rosacruz (anos ’90) e pelo Movimento Hare Krishna (anos ’80).
Em Srila Prabhupada lilamrta, Vol. 2 (Plantando a semente) li e guardei para mim esta frase do mestre: “Onde quer que estivesse, eu pensava: ‘Este é meu lar’”. Passei a reforçar a ideia em mim de que assim deveria pensar todo homem – como um ser cosmopolita, um espécie de homo universalis. Sobre “Deus” (Krishna, para ele), em Perguntas Perfeitas, Respostas Perfeita, respondendo a uma indagação de Bob Cohen, sobre Deus ser “todo-poderoso”, disse: “Ele tem que ser muito belo, muito sábio, muito poderoso, muito famoso... Ele foi o maior dos patifes também”. Percebi, imediatamente ali, que se tratava de alguém que transmitia conhecimento, autoridade e despertava respeito, pois tinha uma espécie de “intimidade com Deus”, uma falta de respeito (ainda que envolta em plena adoração) para com Krishna, muito parecida com uma relação entre amigos, na qual é comum que um se refira ao outro com palavras depreciativas e de baixo calão, porque podem se tratar assim, porque sentem uma proximidade que os absolve de qualquer calúnia, de qualquer culpa ou má intenção. Prabhupada me mostrou exatamente o contrário do que o cristianismo insiste em pregar: ele me mostrou que não havia necessidade de temer a Deus, e que nossa principal missão na vida era conhecê-Lo, para falar às pessoas do mundo sobre Ele com autoridade, simplicidade e desenvoltura. O mestre dizia: “Particularmente, eu posso ser o maior tolo, mas como estou falando de Krishna, dizendo exatamente o que Ele, o maior cientista, o conhecedor de todas as coisas, disse, então, eu sou o maior cientista!”.
A Terapia Hari pretende fazer com que as pessoas primeiramente se conheçam a si mesmas, que se sintam cidadãs deste lar (o planeta Terra, em particular, e o Universo, como um todo), e, em seguida, descubram se é ou não necessário sair em busca “do outro”, seja ele um cientista, um filósofo, um profeta, um mestre ou um deus. Essa descoberta, na linguagem dos filósofos Aufklärung, na dos cientistas Insight, na dos místicos Iluminação, provavelmente não será o fim de uma existência, nem mesmo o fim de uma busca, pois creio com todo o meu fervor que, a partir daí, haverá tanto desejo em realizar, que todos quanto chegarem a ela perceberão que somente naquele instante começa o tempo que não precisa mais de tempo – a Eternidade.

REFERÊNCIAS: (Obras citadas)
  • Perguntas Perfeitas, Respostas Perfeitas – Diálogos entre Srila Prabhupada e Bob Cohen, um voluntário da paz na Índia (The Bhaktivedanta Book Trust);
  • Srila Prabhupada-lilamrta, Vol. 2 - Plantando a semente (The Bhaktivedanta Book Trust);
  • O Bhagavad-Gita Como Ele é (The Bhaktivedanta Book Trust).

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