sexta-feira, 8 de abril de 2011

MOFICUSHINTH* VERSUS CIÊNCIA E RELIGIÃO

O MELHOR DOS MUNDOS POSSÍVEIS*

A Existência, seu modus operandi e seus mecanismos de auto-preservação e auto-manutenção apresentam-se a nós como algo realmente fantástico e fascinante, de uma tal dimensão e equilíbrio que somente um Ser magnânimo, supremo e onisciente poderia conceber. No entanto, nós, pequeninos seres no vasto oceano existencial, estamos longe de entender essa instância que nos envolve e na qual estamos inseridos e enredados; não fosse isto por si só suficiente, quero dizer, não bastasse o reconhecimento de nossa pequenez diante de tão deslumbrante grandeza, ainda nos arvoramos em ‘dominadores’ de seus mecanismos. Tal absurdo pode até afagar os brios do intelecto de alguns, mas tem sido fonte, desde os tempos mais remotos, de enganos, cujos efeitos nocivos só se evidenciam muito tempo depois.
A Existência nada mais é senão a ‘representação’ da Eternidade. O Ser Supremo (“sujeito eterno do puro conhecimento” do qual fala Schopenhauer), através de sua potência criadora, produziu, por assim dizer, uma instância/cópia de sua ‘morada eterna’, manifestando nela todos os Seus atributos, a partir do que Suas potências latentes, identificadas no mundo como Bem e Mal (ou positiva e negativa, conforme a percepção humana) produziram uma infinidade de pares de opostos, fundamentais para a efetivação do mundo/Existência. O Ser Supremo, ao projetar-se para Sua ‘nova instância’, a Existência, tornou-se assim o Uno dividido em dois – ou seja, Suas ‘potências internas’, que estavam unificadas na Eternidade, expõem-se virtuosamente, pondo Seu Corpo em divisão. Essa ‘Criação’ (como é chamada em todas as culturas e tradições), ou manifestação do Supremo, ‘outorgou’ às almas (atmans) o ‘direito’ e a ‘faculdade’ de inventarem para si também seus dublês, suas representações no mundo (jivas). As potências do Ser Supremo revestiram esta Criação com duas Naturezas, a material ou física e a espiritual ou sutil, e estas produzem e mantêm todo o amálgama de elementos, coisas e seres que lhe são necessários, formando pares de interligação, ou de comunicação e interatividade entre as duas. É por esta razão que posso afirmar que os jivas, ou seja, os duplos ou dublês das almas (e nunca os próprios atmans) recebem no mundo/Existência um veículo material (o corpo) e um veículo espiritual (o espírito) para que possam se manifestar, como encarnações na Terra. Assim, da mesma forma que o Ser Supremo mantém-se na Eternidade como Paramtman, as almas também, como atmans, e da mesma forma que o dublê do Ser Supremo executa Seus ‘passatempos’ (aqui denominados de lilas) na Existência como Hari, similarmente as almas agem no mundo como seres humanos (ou jivas). Necessário é notar que nem o Paramatman nem os atmans jamais deixam de fato a Eternidade (A Morada Suprema), enquanto suas representações no mundo jamais podem deixar sua habitação existencial.
A Natureza Material é considerada o Corpo do Ser Supremo (Harirupa) e a Natureza Espiritual (o Espírito Santo dos cristãos; o Brahman dos hindus), é o Espírito Transcendental (Hari). Este Universo, portanto, é o próprio corpo do Ser Supremo manifestado em uma infinidade de mundos (galáxias, constelações, planetas etc.), nos quais a Existência pulula com seus seres, conforme as características e necessidades de cada lugar, e os preenche de eventos que se encadeiam indefinidamente, mantendo tudo dentro do todo. Ou como está dito no Katha Upanishad: “O Ser interno de todos os seres dá a si mesmo forma após forma e, ainda assim, está fora delas”. Schopenhauer, tendo bebido nas fontes védicas, estabeleceu sua noção de mundo como representação e vontade brilhantemente, manifestando sua compreensão de que a Existência (Mundo) não é simplesmente a representação do indivíduo/homem, mas do Ser Indivisível do qual os homens são individualidades (ou representações).
A Ciência, em sua busca por vida em outros planetas, estabelece como uma das evidências a existência de água e não me espantaria saber que também requer que os seres vivos possivelmente ali encontrados tenham características antropomórficas ou formas parecidas com as dos animais da Terra. Ora, esses critérios científicos só têm validade aqui no orbe terrestre, portanto, a partir desses pressupostos, dificilmente ela encontrará o que busca lá fora. É preciso um pouco mais de ‘tato’, de ‘intuição científica’, e a flexibilidade racional de compreender que, se há seres entre nós que nossos olhos humanos, por si sós, não conseguem enxergar ou perceber (microorganismos, como bactérias, micróbios, vírus, e seres de outras dimensões, como do plano astral e do mental), por que não existiriam seres extra-terrestres com características, formas e feições insuspeitadas pela Ciência humana? A composição de seus corpos pode muito bem ser formada por elementos, ou combinações de elementos, ainda não encontrados, ou impossíveis de serem combinados no ambiente terrestre. Como sempre, a Ciência há de superar suas próprias proposições e métodos e, certamente, manterá sua trilha em direção às ‘novas verdades existenciais’. Há diferentes níveis existenciais mesmo aqui, na Terra. É por essa razão que podem conviver, em dados momentos da História, seres ínfimos (ou seja, jivas em veículos extremamente grosseiros e rudes, o que implica diretamente na qualidade humana, e outros com veículos incrivelmente sutis, como os dos Avatares (Krishna, Siddharta e Jesus, por exemplo). Do mesmo modo, nos vários planetas já catalogados pela Ciência, ou nas mais longínquas galáxias ainda não descobertas, a ‘Vida’ se expressa em elementos, formas e cores os mais variegados e inimagináveis. “Instrumentos sofisticados, tais como o telescópio espacial Hubble, detectaram a existência de pelo menos 50 bilhões de galáxias; e a cada vez que equipamentos melhores e mais precisos tornam-se acessíveis, mais galáxias – ainda mais distantes – são reveladas. O espaço pode ser infinito. Não apenas vastíssimo; mas, literalmente, infinito – abrangendo um número infinito de galáxias, contendo um infinito número de estrelas” (fonte: Revista Meditando, Ano I - Nº 3, p. 21, artigo A Grande Convergência).
Sobre essa questão de mundos possíveis e da falta de profundidade das teorias científicas e cristãs, encontrei algumas indagações, que considerei interessantes (e pertinentes), num pequeno livro (do qual já retirei muitas citações para este trabalho) intitulado Karma – A Lei Universal da Harmonia, um compêndio formado por artigos de vários autores, dentre os quais, Geddes MacGregor, doutor em Filosofia e doutor em Letras (Sorbonne), autor de vários livros, que abre essa obra com O Batismo do Karma, do qual transcrevo o seguinte excerto:

“Quando os primeiros cristãos reconheceram Jesus Cristo como Deus e Salvador do mundo, o que queriam dizer exatamente? Eles não só estavam longe de pensar em termos de planetas possivelmente habitados em sistemas solares de galáxias distantes, como seguramente devemos pensar hoje, como também seu conhecimento do próprio planeta Terra era muito limitado. Seu mundo estendia-se muito pouco além da bacia mediterrânea.
“Não será possível que outros planetas, nos trilhões de galáxias do universo, tenham seus próprios símiles de Jesus Cristo, suas próprias e únicas encarnações de Deus? Um Salvador que é “Deus Verdadeiro e Homem Verdadeiro” convém realmente a nós, homens, e à nossa salvação”, como admite o credo cristão; mas suponha que existam marcianos em Marte. Esse Salvador não lhes seria conveniente. Presumivelmente, precisariam de um Salvador que fosse Verdadeiro Deus e Verdadeiro Marciano. (...) Suponha que eles nunca receberam notícias acerca de Jesus Cristo, mas que tiveram em seu próprio planeta um Ser que fora o foco de uma de suas maiores religiões e parecesse exercer sobre ela precisamente o papel que Jesus Cristo exerce no Cristianismo ortodoxo. Estaria, então, um cristão realmente justificado ao dizer: “Não, não, não aceitarei isso de modo algum”?”.

Os Upanishads têm para a palavra ‘mundo’ o termo sânscrito ‘Loka’. Nessas escrituras dos hindus está dito que “é manas (a mente) que cria todos os lokas (mundos)”. Isto significa que, acima de tudo, o mundo em que vivemos corresponde a nosso ‘estado (estágio ou nível) de consciência’. Isto vale peremptoriamente para nossas concepções de ‘Céu’ e de ‘Inferno’. Apesar de parecer que todos estamos no ‘mesmo mundo’ (digo, homens, animais, plantas, insetos, vírus etc, etc), cada espécie vivencia um mundo peculiar. E mesmo nós, seres humanos, ainda segundo as escrituras hindus, eventualmente somos tragados por outros mundos (por exemplo: às vezes, estamos em Svapnaloka, o mundo dos sonhos). O ‘céu-paraíso’ que os espiritualistas e religiosos buscam com fervor é um estado que transcendente a mente e todas as suas concepções e criações – é a consciência transcendental do Ser Supremo (ou seja, é um estágio de reidentificação com Ele).
É preciso que se entenda que a noção de mundo pode variar indefinidamente, conforme tomada sob um contexto espacial, temporal, existencial e mesmo transcendental. O intelecto capta o sentido de mundo de forma espaço-temporal, aí temos a Terra, Marte, e todas as outras galáxias a serem descobertas pela Ciência; a mente pode perceber mundos invisíveis, como os produzidos pelos níveis existenciais e que podem ser encontrados aqui mesmo na Terra ou bem próximo a ela. Essas dimensões são habitadas por seres de estruturas mais sutis, com graus menores de materialidade. Nossa atual existência (como somatório das vivências passadas) pode ser a produtora de nosso próximo mundo (ou, dito de outra forma, pode nos levar a um mundo ainda desconhecido).
A superstição, o misticismo e a ignorância são as janelas nas quais se debruçam aquelas pessoas que, ao invés de viverem a vida, passam a vida a ver a vida passar (muitas vezes a vida dos outros, e menos a sua). Temem o desconhecido, preferem o óbvio; temem procurar, preferem o que é dado; temem saber, preferem ignorar. Ouvem o que os outros dizem, porque nada têm a dizer; pedem emprestado os óculos alheios para enxergarem seu próprio mundo. Quantos sóis seriam necessários para iluminar o mundo dessas pessoas e desvelar a elas a ‘Verdade’? Um único sol, dentro em nós, é suficiente para trazer luz a todo o nosso Universo! “Há uma luz que brilha além de todas as coisas terrenas, além do mais alto dos céus. É a luz que brilha em seu coração”, é o que nos diz o Chandogya Upanishad e, como se pode ver, está em acordo com muitas outras escrituras, inclusive a Bíblia: “Vós sois a luz do mundo”.  Identificados que estamos com estas nossas ‘personalidades’, deixamos de lembrar nossa eterna relação com o Ser Supremo, deixamos de ouvir a música das esferas para ouvir o barulho do nosso ego, deixamos de saborear o néctar da Natureza para nos empanturrarmos com as migalhas que caem das mesas do ‘senhores da ignorância’.
Este, “o melhor dos mundos possíveis”, para o filósofo Leibniz, pode não parecer tão bom assim para muitos de nós. Algumas tradições religiosas consideram que nosso planeta é um lugar de expiação, uma espécie de ‘prisão provisória’ ou ‘reformatório’ para aqueles que não foram ‘bonzinhos’ em vidas passadas. Há ainda os que acreditam que a Terra é apenas um planeta intermediário, ou seja, nem celestial nem infernal, nem de gozos celestes nem de sofrimentos infernais. Cada uma dessas proposições encontra resistência aqui e ali e não há consenso a esse respeito. A despeito de todas elas, meus estudos me levam a crer que, não importa qual seja a importância ou a posição do nosso planeta no ranking cósmico, sempre é possível torná-lo um lugar melhor, bastando para tanto uma melhor qualidade de homens. A qualidade de uma casa diz diretamente da qualidade dos seus habitantes e não o contrário. Também acredita-se que, uma vez que foi criado, este mundo consequentemente terá seu fim, no entanto, apesar de todos os alardes apocalípticos patrocinados pelos seguidores das ‘seitas dos últimos dias’, a Vida e o mundo seguem em frente, enquanto homens, plantas e animais sucumbem, como exemplares de uma espécie ou como espécie inteira, donde desprende-se que, se este mundo não dura para sempre, pelo menos, não há indícios de que perecerá um dia. Platão parecia defender este mesmo ponto de vista, conforme transcrevo abaixo o que ele escreveu em sua obra Timeu :

“O Demiurgo dotou o mundo, além de um corpo perfeito, também de uma alma e de uma inteligência perfeitas. Assim criou a Alma do mundo, valendo-se de três princípios: a essência, o idêntico e o diferente. E uniu a alma ao corpo do mundo. O mundo, portanto, é uma espécie de “deus visível”, como “deuses visíveis” são as estrelas e os astros. E, como é perfeitamente construída, essa obra do Demiurgo não está sujeita à corrupção. Assim, o mundo surgiu, mas não perecerá jamais”.


* O presente artigo é uma adaptação dos capítulos IV e V do livro “O Governante das Estrelas – Da Materialidade do Eterno” (ainda em fase de edição), de autoria de Jaya Hari Das.

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